Que fim levaram todas as flores?
Há tempos, havia um conjunto musical brasileiro
(ou banda, como dizem os jovens), que trouxe uma novidade sonora e visual ao
cenário da música nacional. Os integrantes desse grupo trajavam roupas
chamativas – pouquíssimas peças de roupa –, cobriam os seus rostos com uma
maquiagem “esquisita”, cantavam contra o preconceito e, sobretudo contra a
repressão dos tempos de ditadura militar; pelo menos era esta a ideia vendida
ao povo. Ademais, as apresentações desse grupo eram consideradas performances
magníficas que, além da crítica ao governo, abarcava poesia e literatura
portuguesa em suas canções.
Foram
considerados os precursores do chamado glam
rock brasileiro, ou seja, os primeiros a chamarem atenção da mídia com algo
que ia além da própria música: a aparência extravagante. Por vezes juravam
mentiras e seguiam sozinhos em sua jornada da crítica contra a Crítica, isto é,
iam de encontro aos costumes e a moral dos anos setenta com uma sagacidade
ímpar que os levaram da bossa nova à Tropicália.
Todavia,
aqui, poderão advir duas perguntas essenciais: como se chamava esse grupo? Quem
eram os integrantes que o formaram? Para o leitor mais atento – e com um pouco
mais de idade –, já ficou claro que, nas linhas superiores, fizemos referência
aos Secos e Molhados. Idealizado por
João Ricardo (vozes, violão e gaita), o grupo ainda contava com a presença de
Ney Matogrosso (voz) e Gerson Conrad (vozes e violão) em sua formação
principal. Contudo, não nos cabe esmiuçar todos os detalhes do grupo, toda
ficha técnica dos discos lançados e, muito menos, apresentar toda sua
biografia.
Assim
como o título do presente artigo sugere, falaremos de uma época posterior ao
sucesso máximo alcançado pelo conjunto. Falaremos, pois, de um período em que
Ney Matogrosso já não fazia mais parte do grupo como frontman. Apenas João Ricardo foi o único remanescente dos Secos e Molhados após um tempo de
inatividade que durou por volta de dois anos. A partir disso, em meados de
1978, João Ricardo lança um novo disco (o terceiro) que contou com a
participação de Lili Rodrigues (voz), Wander Taffo (guitarra), João Ascenção
(baixo) e Gel Fernandes (bateria). Neste novo trabalho, a música “Que fim levaram todas as flores?” levou
o grupo mais uma vez ao sucesso de outros tempos, porém sem a mesma crítica e
extravagancia de outrora.
Poucos
são aqueles que recordam esta fase dos Secos
e Molhados; talvez por não contar com a presença de Ney Matogrosso e os
seus agudos inigualáveis; talvez por não existir mais uma crítica direta à
ditadura militar; ou ainda porque não fizeram apresentações inesquecíveis com
as canções deste terceiro disco. O motivo pelo qual não se há muita lembrança
dessa época não importa, o que é importante está dentro da análise dessa noção
de fim exposta na canção homônima a
este texto.
Quando
escutamos essa canção, ou ao ler a letra da música, sentimos uma sensação de
saudosismo. Sentimos que tudo o que era belo – tal como as flores –, está
morto, está em algum outro lugar cujo endereço nós não sabemos qual é; o fim de
tudo aquilo que um dia trouxe alegria ao olhar de todos, tal como o olhar das
crianças. Embora pareça um final dos tempos, esta ideia de fim, este “finalismo”, nos remete diretamente à
ideia de teleologia proposta por
Aristóteles.
Por
fim, para além de qualquer devaneio que possamos fazer ao relacionar filosofia
com música brasileira, deixamos aqui a indicação dessa canção para o nosso
leitor. Naquela época o novo cantor dos Secos
e Molhados procurou manter a mesma qualidade na voz que Ney Matogrosso
empregara nas canções anteriores, contudo, não há como uma cópia, uma imitação,
ser a mesma coisa que o original, ou isso seria possível? O seu eu-lírico-masculino de antes de entrar
para o grupo, fora substituído por um eu-artístico-feminino
assim que começou a fazer parte do grupo, para finalmente abandoná-lo. Pois
bem, depois de tudo isso cabe aqui uma pergunta: que fim levou Lili Rodrigues?
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