LEIA, QUEM QUISER:
[...] Talvez o didatismo
se dê pela vontade de explicitar, e isso ao máximo, quaisquer conceitos que parecem
ser excessivamente obscuros, principalmente para leitores ou alunos não
“iniciados” em Filosofia. Por que um conceito é tido como algo hermético? O que
ele não consegue dizer com clareza? Se uma filosofia é armada segundo a força
de seus conceitos sobriamente levados por argumentos, diríamos, por
conseguinte, que o filósofo é o mais obscuro dos teóricos? Poderá alguém se
levantar agora para responder que sim e, em contrapartida, alguém por ventura
defenderá o filósofo dizendo ser do senso comum que vêm estas reclamações: “Não
entendo nada, não entendo nada”, eles repetem.
A nossa hipótese é que, em seu interior, um conceito é
trincado, ou seja, ele é constituído de pelo menos duas grandes partes. Uma é o
seu mínimo ou extremo que se assemelha às funções da δόξα[1].
A outra é seu máximo ou extremo oposto, o que mais se afasta dessas funções. A
primeira metade nós chamamos de mínimo
concreto; a segunda de máximo
abstrato. O mínimo concreto de um
conceito apela, pois, para uma opinião aparentemente segura, aquela em que se
armam diversas metáforas para compreendê-lo. Essa é a metade dos exemplos pela
qual, suspeitamos, um conceito pode ser entendido. O máximo abstrato trata-se de uma espécie de essência de um conceito,
onde difíceis relações entre componentes acontecem. Essa é a metade dos
complexos que, a partir dela, diríamos, um conceito pode ser aprendido.
Contudo, para não definirmos nada relativamente a tudo que
poderia ser conceituado, vamos tentar dar certa regularidade ao que já fora
dito. É bem verdade que não vamos trazer à tona uma falsidade nas palavras, não
vamos inferir opiniões que sejam uma mera alusão de nada. Sendo assim, se não
há definição, o Nada poderá ser
considerado em nossos escritos? Ou o ato de escrever sobre uma didática
torna-se “fechado” em si mesmo? Ainda estamos alhures de estigmatizar qualquer
conceito que nos seja mera re-produção
do Mesmo, muito embora todo discurso
seja interessado em fixar seus conceitos caquéticos.
Então estamos em uma caixa fechada: é conceito
aqui, δόξα acolá, concretude e
abstração para todos os lados. Sentimos uma nauseante vivência filosófica; aquele
certo cansaço das palavras, dos ditos e escritos, muito embora infirmados.
Queremos mais do que a mera formalidade antiga, na qual a velha máxima
socrática “só sei que nada sei” transformou-se
em uma nova, porém tão esfacelada afirmação imediata que “só sabe tudo o que tem de saber”. Assim, o máximo oposto e o mínimo
imposto, são dois lados de uma mesma e única
objeção.
A tendência filosófica é tão pomposa quanto essencialmente
vive de verossimilhanças. É tão pequena em sua aspereza lúcida, tão lúdica em
seus joguinhos e historinhas mal-contadas. O filósofo, além de ser o mais
obscuro dos teóricos, ele pode ser também o mais vaidoso e soberbo dos
pensadores? Por que todo ato de pensar, conjecturar, refutar, afirmar, negar,
expor, transpor etc., faz parte somente de uma característica única da Filosofia? É este uno que dá uma resposta sem fim – não
queremos objetivos claros -, um final sem sentido; sentir sem saber: sapiência
nula e vã. [...] (BENTO, Eduardo e NASTASI, Sérgio Lima. Os palavrões e as coisas, pp. 11-2).
[1] Dóxa, do grego, significa opinião em direta
oposição à noção de episteme enquanto conhecimento tido como verdadeiro a
partir do(s) conceito(s).
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