sábado, 31 de agosto de 2013

Artigo


Que fim levaram todas as flores?
Eduardo Bento[1]

Há tempos, havia um conjunto musical brasileiro (ou banda, como dizem os jovens), que trouxe uma novidade sonora e visual ao cenário da música nacional. Os integrantes desse grupo trajavam roupas chamativas – pouquíssimas peças de roupa –, cobriam os seus rostos com uma maquiagem “esquisita”, cantavam contra o preconceito e, sobretudo contra a repressão dos tempos de ditadura militar; pelo menos era esta a ideia vendida ao povo. Ademais, as apresentações desse grupo eram consideradas performances magníficas que, além da crítica ao governo, abarcava poesia e literatura portuguesa em suas canções.
Foram considerados os precursores do chamado glam rock brasileiro, ou seja, os primeiros a chamarem atenção da mídia com algo que ia além da própria música: a aparência extravagante. Por vezes juravam mentiras e seguiam sozinhos em sua jornada da crítica contra a Crítica, isto é, iam de encontro aos costumes e a moral dos anos setenta com uma sagacidade ímpar que os levaram da bossa nova à Tropicália.
Todavia, aqui, poderão advir duas perguntas essenciais: como se chamava esse grupo? Quem eram os integrantes que o formaram? Para o leitor mais atento – e com um pouco mais de idade –, já ficou claro que, nas linhas superiores, fizemos referência aos Secos e Molhados. Idealizado por João Ricardo (vozes, violão e gaita), o grupo ainda contava com a presença de Ney Matogrosso (voz) e Gerson Conrad (vozes e violão) em sua formação principal. Contudo, não nos cabe esmiuçar todos os detalhes do grupo, toda ficha técnica dos discos lançados e, muito menos, apresentar toda sua biografia.
Assim como o título do presente artigo sugere, falaremos de uma época posterior ao sucesso máximo alcançado pelo conjunto. Falaremos, pois, de um período em que Ney Matogrosso já não fazia mais parte do grupo como frontman. Apenas João Ricardo foi o único remanescente dos Secos e Molhados após um tempo de inatividade que durou por volta de dois anos. A partir disso, em meados de 1978, João Ricardo lança um novo disco (o terceiro) que contou com a participação de Lili Rodrigues (voz), Wander Taffo (guitarra), João Ascenção (baixo) e Gel Fernandes (bateria). Neste novo trabalho, a música “Que fim levaram todas as flores?” levou o grupo mais uma vez ao sucesso de outros tempos, porém sem a mesma crítica e extravagancia de outrora.
Poucos são aqueles que recordam esta fase dos Secos e Molhados; talvez por não contar com a presença de Ney Matogrosso e os seus agudos inigualáveis; talvez por não existir mais uma crítica direta à ditadura militar; ou ainda porque não fizeram apresentações inesquecíveis com as canções deste terceiro disco. O motivo pelo qual não se há muita lembrança dessa época não importa, o que é importante está dentro da análise dessa noção de fim exposta na canção homônima a este texto.
Quando escutamos essa canção, ou ao ler a letra da música, sentimos uma sensação de saudosismo. Sentimos que tudo o que era belo – tal como as flores –, está morto, está em algum outro lugar cujo endereço nós não sabemos qual é; o fim de tudo aquilo que um dia trouxe alegria ao olhar de todos, tal como o olhar das crianças. Embora pareça um final dos tempos, esta ideia de fim, este “finalismo”, nos remete diretamente à ideia de teleologia proposta por Aristóteles[2].
Por fim, para além de qualquer devaneio que possamos fazer ao relacionar filosofia com música brasileira, deixamos aqui a indicação dessa canção para o nosso leitor. Naquela época o novo cantor dos Secos e Molhados procurou manter a mesma qualidade na voz que Ney Matogrosso empregara nas canções anteriores, contudo, não há como uma cópia, uma imitação, ser a mesma coisa que o original, ou isso seria possível? O seu eu-lírico-masculino de antes de entrar para o grupo, fora substituído por um eu-artístico-feminino assim que começou a fazer parte do grupo, para finalmente abandoná-lo. Pois bem, depois de tudo isso cabe aqui uma pergunta: que fim levou Lili Rodrigues?


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[1] Eduardo Bento é professor de filosofia da Escola Estadual Professor Alfredo Burkart, graduado pela Universidade Metodista de São Paulo. Músico, compositor e produtor musical.
[2] Talvez por buscar um objetivo, um propósito, a canção “Que fim levaram todas as flores?” não fala de um fim estrito, terminal; talvez a letra da música esteja bem próxima da noção de causa final como explicação que determina o surgimento de todos os fenômenos do mundo natural ou físico. Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007.

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