Imagem do filme "The wall".
Boa tarde,
Colocarei, aqui, um texto de autoria de Fabiana Maciel sobre a educação formal. Acredito ser de uma contribuição incrível para todos a reflexão que ela apresenta no texto.
Espero que leiam e que gostem...
A REPRODUÇÃO DA CLASSE BURGUESA A PARTIR
DA EDUCAÇÃO FORMAL
FABIANA MACIEL[1]
INTRODUÇÃO
Neste
breve ensaio apresentaremos quais são os pontos de contato, os distanciamentos
e a forma mais concreta de se refletir os problemas da educação formal no
pensamento de Pierre Bourdieu e Louis Althusser. Para este intento, levaremos
em consideração alguns conceitos estudados nas obras de ambos pensadores, para
então obtermos algumas considerações gerais sobre esta proposta de se pensar os
processos relativos à educação.
Em
primeiro lugar, serão fundamentadas as contribuições de Pierre Bourdieu sobre a
estrutura escolar enquanto reprodução da classe burguesa dominante. No segundo
passo do nosso estudo, abordaremos o pensamento de Louis Althusser sobre a
escola e a classe dominante a pontuar algumas semelhanças e diferenciações
entre os dois no que diz respeito ao aparelho ideológico capitalista. Será
referido o pensamento de Baudelot e Establet como contraponto para
argumentarmos mais profundamente sobre o assunto proposto. Por conseguinte, na
parte final do texto, abordaremos o modo como estes referidos teóricos deram vazão
para que se possa ser pensado, da forma mais objetiva possível, os dilemas da
educação formal.
A ESTRUTURA ESCOLAR E A DIVISÃO DE
CLASSES
Em
sua obra “A Reprodução”, Bourdieu
afirma que a escola tem o papel de reproduzir a sociedade burguesa, na ordem da manutenção das condições sociais já
dadas, e também na legitimação da permanência das desigualdades entre as
classes. Sendo assim, a escola tem como um de seus principais objetivos o de
apresentar a cultura burguesa para as classes inferiores, justificando tal
cultura como sendo universal e válida para todos. Não obstante, esta não faz
parte das classes inferiores, nas quais estas nunca teriam acesso a ela, por
ser uma cultura de mera exclusividade
da burguesia.
Segundo
Bourdieu, a escola só atesta os privilégios dos burgueses a partir de uma meritocracia, ou seja, isto acontece
quando o modelo escolar é fundado para que haja uma espécie de certificação dos
dons e méritos dos alunos. Em vista disso, a escola tem a função de garantir a
conservação da burguesia como classe detentora de todos os direitos e
privilégios da sociedade, muito embora esta condição seja dissimulada. Não é de forma aberta que os privilegiados são
legitimados, assim também como não é conscientemente exposta às classes inferiores
a sua inexistência de dons e de méritos, atribuindo à escola o papel de
garantir este intenso distanciamento simbólico entre as classes.
No
entanto, a escola distingue os filhos das famílias ricas dos filhos das
famílias mais pobres da população, na qual os primeiros são parte integrante de
todo processo, enquanto os segundos são marginalizados dentro desta mesma
cultura escolar. Acontece que a escola só funciona a partir de um discurso que
garante sua ordem em torno de um público que já deveria ter uma cultura e um
acúmulo de conhecimentos anteriores ao período da escolarização formal.
Os
alunos das famílias ricas têm maiores condições de obterem um armazenamento de
conhecimento, sejam por intermédio de viagens, participações em diversos
eventos culturais, pelo próprio meio social em que nasceram e, até mesmo, a
partir das pessoas que participam de sua vivência anterior à escola. Estes
conhecimentos, que também serão contínuos em toda trajetória escolar, são
denominados por Bourdieu de capital
cultural que, em linhas gerais, garante aos alunos das famílias ricas
seguirem o processo escolar de forma privilegiada, e por mais tempo, sem que
haja alguma barreira social que estes alunos devam superar.
Os
alunos das classes inferiores não são privilegiados pelo capital cultural considerado universal, legitimado pelo aparelho
escolar e, portanto, estes são os alunos que mais sofrem dificuldades para que
sua trajetória seja relativamente longa em todo processo escolar.
Ainda
ao fundamentar as trajetórias educacionais, Bourdieu aponta quais são os
caminhos tomados por cada uma das classes sociais, relativamente a todo período
de escolarização realizado pelos alunos – sendo o professor aquele quem
marginaliza os estudantes das classes mais pobres e valoriza as práticas
pedagógicas elitistas para a formação de trabalhadores não-manuais.
Tanto
para os filhos da burguesia, quando para os filhos dos trabalhadores, a escola
pode ser pensada como “canteiro-de-obra”,
isto é, para ambos a escolaridade é ocasional. Aos filhos dos trabalhadores a
escola pode proporcionar uma imersão no mercado de trabalho. Já para a classe
burguesa, a educação formal deve garantir que seus filhos assumam os negócios
(o capital) da família, sendo assim mantida toda ordem desta classe dominante.
Existe
ainda o contraponto feito entre os filhos das classes médias altas e baixas. A
classe média baixa valoriza o processo escolar, ela tem uma boa vontade cultural, pois só pela
educação formal é que ela consegue postos de trabalho para manter a sua classe.
De maneira que é dada uma grande importância para os processos de educação,
mesmo que o ensino seja meramente eventual.
Entretanto, a classe média alta planeja toda trajetória escolar de seus filhos.
O ensino torna-se meio para a manutenção e reprodução da ordem burguesa, pois,
são os filhos desta classe média alta que, posteriormente, serão os possíveis
responsáveis, os educadores, que garantirão a vigência da classe dominante
burguesa. Portanto, para esta classe média alta o ensino não é eventual.
A ESCOLA E A CLASSE DOMINANTE
Passamos
para o segundo passo de nosso estudo, relativamente à teoria proposta por Louis
Althusser; igualmente, vamos fazer comparações e distinções com o que fora
fundamentado por Bourdieu e apresentado nas linhas ulteriores. De saída podemos
afirmar que um ponto em comum entre os dois pensadores está em dizer que a
escola é o principal aparelho ideológico para a manutenção e reprodução do
sistema capitalista de produção. O modelo escolar tem o papel de garantir o
impedimento de uma organização revolucionária do proletariado contra a ordem
capitalista.
Segundo
Althusser, a ideologia da classe dominante é mantida e reproduzida pelos
aparelhos ideológicos do Estado, sejam eles a família, a religião, as escolas,
a política, os sindicatos, a cultura etc.
Todavia,
a educação formal, dada pela escola, tem a primazia como principal aparelho
ideológico do Estado nas formações sociais capitalistas. Cabe, aqui, colocar as
próprias palavras de Althusser – por mais que seja uma citação prolixa -, ao
explicitar como a escola fundamenta seus atributos para manter a ordem
capitalista:
Ela se encarrega das crianças de todas
as classes sociais desde o maternal, e desde o maternal ela lhes inculca
durante anos, precisamente durante aqueles em que a criança é mais
“vulnerável”, espremida entre o aparelho de estado familiar e o aparelho de
Estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante (o francês, o cálculo,
a história natural, as ciências, a literatura) ou simplesmente a ideologia
dominante em estado puro (moral, educação física, filosofia). Por volta do 16º
ano, uma enorme massa de crianças entra na “produção”: são os operários ou os
pequenos camponeses. Uma outra parte da juventude escolarizável prossegue: e,
seja como for, caminha para os cargos dos pequenos e médios quadros,
empregados, funcionários, pequenos burgueses de todo tipo. Uma última parcela chega
ao final do percurso, seja para cair no semi-emprego intelectual, seja para
fornecer além dos “intelectuais do trabalhador coletivo”, os agentes da
exploração (capitalistas, gerentes), os agentes da repressão (militares,
policiais, políticos, administradores) e os profissionais da ideologia (padres
de toda espécie, que em sua maioria são “leigos” convictos).
Cada grupo dispõe da ideologia que
convém ao papel que ele deve preencher na sociedade de classe: papel de
explorado (a consciência “profissional”, “moral”, “cívica”, “nacional” e
apolítica altamente “desenvolvida”); papel de agente da exploração (saber comandar
e dirigir-se aos operários: as “relações humanas”), de agentes de repressão
(saber comandar, fazer-se obedecer “sem discussão”, ou saber manipular a
demagogia da retórica dos dirigentes políticos), ou de profissionais da
ideologia (saber tratar as consciências com o respeito, ou seja, o desprezo, a
chantagem, a demagogia que convêm, com as ênfases na moral, na virtude, na “transcendência”,
na nação, no papel da França no mundo etc.). (ALTHUSSER, 1983, p. 79-80).
Como podemos observar, a escola tem um papel
amplamente semelhante, entre as teorias de Bourdieu e Althusser, de reprodução
e manutenção do sistema capitalista de produção. E, talvez, a principal
diferenciação entre ambas as teorias está na abordagem em que cada um trata da
educação formal.
SOBRE
O PAPEL DOS PROFESSORES
Althusser diz que alguns professores tentam o
“heroísmo” ao irem contra o principal aparelho ideológico do Estado. Porém, em
pouco tempo, por verem que não vão conseguir melhorias dentro do ambiente
social e escolar, estes mesmos professores acabam por renderem-se aos ditames
do sistema capitalista, pelo cansaço ou simplesmente por uma “devoção” quase
que dogmática à sua atividade profissional.
A
ESCOLA E A DIVISÃO DO TRABALHO
Entretanto, para não deixarmos de lado a
outra parte do que prometemos abordar, vamos agora, a partir das teorias de
dois althusserianos, colocar todos os contrapontos entre os principais teóricos
supracitados. Para Baudelot e Establet, a escola não distingue os estudantes
pelos seus dons, méritos ou qualidades diversas, mas os coloca conforme a
divisão do trabalho.
A educação formal simplesmente direciona os
alunos relativamente à necessidade da reprodução da ordem capitalista de
produção, determinando-os em cada uma de suas colocações na sociedade, sejam
nos espaços inferiores, médios ou superiores.
Sendo assim, a escola impõe aos alunos a
ideologia da classe dominante, não como uma universalização de seus processos
tal como fora afirmado por Bourdieu, pois existem tantos outros aparelhos
ideológicos que, mesmo que não são os principais como a escola, também formam
toda a sociedade capitalista e a mantém como dominante.
OS
DILEMAS DA EDUCAÇÃO FORMAL
Toda esta discussão suscitou-nos uma
abordagem um tanto diferente sobre a educação formal, sendo a escola um lugar
que não produz verdadeiramente o
conhecimento. Apenas o (re)produz.
Segundo os autores supracitados, a escola não é mais do que um aparelho de
determinações ideológicas para que a sociedade capitalista continue em voga,
para que não haja revoluções e, desta feita, os alunos são somente meros
formandos do mercado de trabalho, aos quais podem, ou não, serem divididos
conforme a classe que cada indivíduo pertence determinado pelo capital.
Longe de individualizar a educação formal,
para não sermos ingênuos, podemos confirmar que todo processo educativo é
esfacelado, muito fragilizado e, ao mesmo tempo, tão poderosamente dominador
que, os diretores, professores, alunos, pais, enfim, todos os envolvidos na
educação formal, em toda sociedade, nem sempre há a consciência de que a
escola, nos modelos ao qual referimos, seja meramente reprodutiva. Ela existe
simplesmente para ser a ponte entre a permanência do capitalismo vigente, bem
como para validar o distanciamento, a marginalização da população pobre, ao
qual não existe nenhum poder de ir
contra todo esse sistema já dado. E aos alunos cabe somente a “difícil” tarefa
de seguir cegamente todas as determinações escolares.
Por mais que este sistema dê aparência de
falência, não vemos como seria possível outro modelo escolar que garanta
espaços que não sejam meramente reprodutivos, mas sim lugares de obtenção de
conhecimento e criação de teorias ou conceitos. Parece que a escola não deveria
ser o início aos estudos das crianças e dos jovens. Não obstante, de forma
alguma, entre essas duas teorias que estudamos, nós não conseguiríamos conceber
outra maneira que não esteja ligada ao capital e que afasta violentamente os
sujeitos, ou melhor, afasta ainda mais os ricos dos pobres, apesar da
necessidade contínua de um para com o outro.
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER,
L. P. Aparelhos Ideológicos de Estado.
7ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998.
BOURDIEU,
Pierre. A Reprodução: elementos para uma
teoria do sistema de ensino. Lisboa: Editorial Vega, 1978.
SAVIANI,
D. Tendências e correntes da educação
brasileira. In: MENDES, D.
T. (Coord.) Filosofia
da educação brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1987.