Consideremos os imprevistos[1]
A reflexão sobre a morte deve ser compartilhada, mesmo quando
as palavras não dão conta de expressar um sentimento dado pelo acaso, pelo
acontecimento que finda as relações entre as pessoas de forma tão inesperada.
Se não conseguimos entender o peso da vida, talvez seja porque não temos a
consciência do fim e, nesse sentido, as palavras de conforto se perdem na
confusão mental dada pela enorme tristeza que advém de maneira abrupta...
[...] é preciso resgatar, no mundo
atual, a consciência da morte, o que não deve ser entendido como a preocupação
mórbida, doentia do homem que vive obcecado pela morte inevitável. Tal atitude
seria pessimista e paralisante. Ao contrário, ao reconhecer a finitude da vida,
reavaliamos nosso comportamento e escolhas, e podemos proceder a uma diferente
priorização de valores. Por exemplo, se tomamos como valores absolutos o
acúmulo de bens, a fama e o poder, a reflexão sobre a mortalidade torna
ridículos esses anseios, privilegiando outros valores que nos dão maior
dignidade. Essa mesma reflexão, no nível planetário, nos ajuda a questionar os
falsos objetivos do progresso a qualquer custo. A consciência da morte nos
ajuda a questionar não só se nossa vida é autêntica ou inautêntica, mas também
se faz sentido o destino que os povos legaram para seus herdeiros (Aranha e
Martins).
Talvez o tempo de
pensarmos no outro como verdadeiramente outro chegou; não mais como uma mera
extensão de nós mesmos. Por essa razão, nada do que for dito ou escrito poderá
arrancar a dor da morte, contudo a vida é um aprender constante, mesmo nos
momentos em que o choro se faz a única forma de expressão e representação. E,
por fim, é chegada a ocasião de suspender as coisas e as palavras com um
silêncio que seja realmente tranquilizador...
[1] Texto escrito por Eduardo Bento: professor
de filosofia, músico, compositor, produtor musical e multinstrumentista.