Parece-nos existir um hiato entre o que exprimem as palavras Entender e Aprender. Tomemos essa noção de Entender, aqui, como algo que se sustenta apenas como agente da opinião (δόξα), não como um conceito que nos apresenta sua forma robusta de compreensão. Aprender pode ser muito mais perigoso que Entender, visto que alguns conceitos penetram surdamente os fundilhos do pensamento. O entendimento imediato percebe “os” signos, ao passo que o apreender supõe “o” significado, isto é, a imediatez é da ordem do Entender assim como o apreender é a própria dimensão do Aprender. Para além das dicotomias que o nosso assunto sugere, há um terceiro campo em que a tensão signo-significado pode advir de modo sorrateiro, se desdobrar, fazendo com que a δόξα e o conceito fiquem logo de escanteio. A este negro buraco daremos o nome de buraco negro.
Contudo, esta terceira via nebulosa é dada por uma compreensão apática e arbitrária das condições particulares do pensamento, na qual a representação do signo-significado nada mais é que um universo singular de uma mente qualquer. Estes são compostos por espasmos tão concretos e afastados da plenitude de um conceito, ou seja, pouco distantes de uma contingência doxológica. Isto é, na atitude de uma apreensão e na rapidez de uma percepção, com esta terça parte obscura da formação de uma pluralidade individual, o ato pensar-falar-ver está condenado ao fechamento das palavras, das ações e da passividade em sua condição hermética de ser. Não obstante, há uma adição contrária de um aposto transluzente em um dado momento entreaberto da noção saber-ver-falar. Todas essas hierarquias conceituais não são mais que a distância referida, ao qual o modo, a maneira e a medida estão sempre interligadas em uma síntese ternária da paixão, da desgraça e da vontade inseridas ao campo do Aprender. Em contrapartida, a refutação ligada ao Entender é a pura falta de vontade de ser. Tal como cada parte de um todo segue um único fluxo, ou poderíamos ainda aludir como cada louco do período medievo segue sua nau com um único destino certo para a total exclusão antropológica.
Vimos, portanto, que o dito terceiro lugar não é exatamente um terceiro elemento, como tudo isso parece propor, mas talvez ele se ofereça como um período oscilante entre o 1 e o ∞. Todavia, se este “meio” vai do 1 até o ∞, não sabemos. Também não sabemos se o buraco negro do cognitivo se estende da δόξα ao Conceito, ou se ao encontrar o conceito ele se vê desarmado em seu desdobramento infinito. E ainda que essa ignorância nos acabrunhe, aqui nasce uma questão: há alguma coisa entre signo e significado que possa ou não permitir o êxodo do Entender ao Aprender?
Não é traçar uma ponte do continente à Nau dos Loucos. Não é fazer rimar, com toda força, δόξα com opinião na sala de aula. Nada disso. É, sobretudo, pensar o pensamento, falar a fala, ver a visão e saber o saber. Ir do ∞ ao ∞ — não há um término, assim como não houve um início vinculado a uma verdade velada de uma indeterminação incompreensível.
Toda razão passa pelo raio abrupto das insignificâncias minuciosas dos saberes estabelecidos, pelos discursos “fechados”, nas impressões circulares de um conceito que não deveria sofrer por sua “linearidade”. Só quem tem cu arrombado é que necessita deste caminho em direção às definições paradoxais dos conceitos inerentes à destruição: vamos dar uma abertura para as palavras baixas que horrorizam as velhotas eruditas.
Há quem diga que o conceito, pelo seu máximo abstrato, é muito vago e pouco útil; por outro lado, ou pelo seu mínimo concreto, ele é um tanto doxológico e pueril. Podemos considerar, assim, que os limites do conceito (seu para-além do máximo abstrato) residem na próxima borda do buraco negro — talvez este acontecimento seja o Desaprender.
Ocorre algo semelhante na outra ponta, isto é, nada entendemos porque não há um mínimo de signo, não temos, então, o que entender antes do nascimento de um signo — quem sabe este acontecimento seja o Desentender.
Nada impede que o 1 faça parte de outra infinitude, que o buraco negro seja também ∞, ou que o ∞ dos desdobramentos conceituais façam o próprio conceito ∞. Ora, com isso não estamos a apontar três infinitudes? Sendo assim, é preciso ter, ao menos, três pernas para não se perder na compreensão de uma fala, por exemplo. E quem pode declarar que pré-entender e pré-aprender são formas do (não-) Ser?
O máximo abstrato é de arrepiar os pelos cerebrais de uma virgem seminua, e nos faz traçar uma linha vertical rumo a um nada incomposto de ser, desonestamente sem “essência” e vergonhosamente bem vestido. Não há o que cogitar se, antes de qualquer dúvida hiperbólica, não dizemos em quais condições possíveis existe a falta de (do) Ser. Podemos, em linhas gerais, admitir que haja um entendimento inato, ou até mesmo um a priori linguístico de uma apreensão nas mesmas condições e características das inúmeras negações do ∞? Se, ao invés de cogitarmos para validar a existência nós disséssemos necessariamente a sumária expressão “cogito, sed non sum”, a faixa obscura das vontades do saber, bem como o nosso ponto cego do crer, trar-nos-ia um novo acontecimento? Talvez fosse ele não mais na ordem do seu máximo abstrato do Desaprender, nem o momento factual antes da concepção do signo no plano do Desentender. Porventura, este novo momento, entre os dois eventos supracitados do buraco negro, de uma ponta à outra, intermitentemente, apresentar-mos-ia como a nudez do Desconhecer.
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Leia a parte II no blog do Serginho: ÁGORAS DE MARÇO