sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Um trecho de uma parceria escrita e dita


LEIA, QUEM QUISER:

[...] Talvez o didatismo se dê pela vontade de explicitar, e isso ao máximo, quaisquer conceitos que parecem ser excessivamente obscuros, principalmente para leitores ou alunos não “iniciados” em Filosofia. Por que um conceito é tido como algo hermético? O que ele não consegue dizer com clareza? Se uma filosofia é armada segundo a força de seus conceitos sobriamente levados por argumentos, diríamos, por conseguinte, que o filósofo é o mais obscuro dos teóricos? Poderá alguém se levantar agora para responder que sim e, em contrapartida, alguém por ventura defenderá o filósofo dizendo ser do senso comum que vêm estas reclamações: “Não entendo nada, não entendo nada”, eles repetem.
A nossa hipótese é que, em seu interior, um conceito é trincado, ou seja, ele é constituído de pelo menos duas grandes partes. Uma é o seu mínimo ou extremo que se assemelha às funções da δόξα[1]. A outra é seu máximo ou extremo oposto, o que mais se afasta dessas funções. A primeira metade nós chamamos de mínimo concreto; a segunda de máximo abstrato. O mínimo concreto de um conceito apela, pois, para uma opinião aparentemente segura, aquela em que se armam diversas metáforas para compreendê-lo. Essa é a metade dos exemplos pela qual, suspeitamos, um conceito pode ser entendido. O máximo abstrato trata-se de uma espécie de essência de um conceito, onde difíceis relações entre componentes acontecem. Essa é a metade dos complexos que, a partir dela, diríamos, um conceito pode ser aprendido.
Contudo, para não definirmos nada relativamente a tudo que poderia ser conceituado, vamos tentar dar certa regularidade ao que já fora dito. É bem verdade que não vamos trazer à tona uma falsidade nas palavras, não vamos inferir opiniões que sejam uma mera alusão de nada. Sendo assim, se não há definição, o Nada poderá ser considerado em nossos escritos? Ou o ato de escrever sobre uma didática torna-se “fechado” em si mesmo? Ainda estamos alhures de estigmatizar qualquer conceito que nos seja mera re-produção do Mesmo, muito embora todo discurso seja interessado em fixar seus conceitos caquéticos.
Então estamos em uma caixa fechada: é conceito aqui, δόξα acolá, concretude e abstração para todos os lados. Sentimos uma nauseante vivência filosófica; aquele certo cansaço das palavras, dos ditos e escritos, muito embora infirmados. Queremos mais do que a mera formalidade antiga, na qual a velha máxima socrática “só sei que nada sei” transformou-se em uma nova, porém tão esfacelada afirmação imediata que “só sabe tudo o que tem de saber”. Assim, o máximo oposto e o mínimo imposto, são dois lados de uma mesma e única objeção.
A tendência filosófica é tão pomposa quanto essencialmente vive de verossimilhanças. É tão pequena em sua aspereza lúcida, tão lúdica em seus joguinhos e historinhas mal-contadas. O filósofo, além de ser o mais obscuro dos teóricos, ele pode ser também o mais vaidoso e soberbo dos pensadores? Por que todo ato de pensar, conjecturar, refutar, afirmar, negar, expor, transpor etc., faz parte somente de uma característica única da Filosofia? É este uno que dá uma resposta sem fim – não queremos objetivos claros -, um final sem sentido; sentir sem saber: sapiência nula e vã. [...] (BENTO, Eduardo e NASTASI, Sérgio Lima. Os palavrões e as coisas, pp. 11-2).


[1] Dóxa, do grego, significa opinião em direta oposição à noção de episteme enquanto conhecimento tido como verdadeiro a partir do(s) conceito(s).